quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Vermelho Mundo



(Quadro Naïf-Surrealista de Diego Trapa - Tinta acrílica em tela de 50 cm X 40 cm)

Meus músculos se contraem suspensos pela dor que pende firme sobre o charco. Amarrado no galho de uma árvore, meu corpo luta em vão contra a corda que limpa a carne da pele suja. Estou de ponta-cabeça, e os nós, vértebras que afogam rins, ordenham à água meu doce sangue. Meu corpo dói. As feridas ardem ao vento. Sinto minhas próprias unhas e minha língua está mais grossa do que de costume. Creio que me resta o fim. O fim desse vermelho mundo.

Todas as noites, o som da floresta vibra no espaço entre meu peito e as costas, exatamente onde flutua meu coração. As veias do meu pescoço permanecem cheias e tamborilam pulsantes, quentes, fazendo com que minha respiração líquida e sufocante exija de mim força para superar sua amargura.

Não sei por que, mas na escuridão da noite sinto ainda mais as formigas que caminham sobre minhas pernas. Minhas orelhas, minhas orelhas! Minha cruel certeza é o pingar torturante do tempo. Temo que ele me sangre até secar. Que sejam as lágrimas as primeiras.

Durante as manhãs, procuro me distrair com o ruído provocado pela tensão das cordas. A cada movimento de meus ombros elas se contraem e uma nota musical é lançada ao ar. Com destreza, e um pouco de delírio, consigo me comunicar com as cigarras. Omoplatas atrás para o dó, o grilo diz si, enquanto o vento gira, gira e gira. Meu corpo em espiral rodopia fundindo as árvores, transformando-as numa enorme mancha esverdeada, enquanto o ar serve de palco para a melodia sublime evocada por um pássaro iluminado. Esta música celestial faz brotar em mim uma gargalhada ensangüentada de alegria que transforma em mangue esse lodo onde padeço solitário. Parando de girar, solto um grito de prazer até ser sufocado novamente por lágrimas copiosas.

Os dias passam e eu sigo pendurado nesta árvore sobre o pântano do esquecimento. Não lembro como cheguei até aqui, e nem para onde foi a terra onde meus pés desenhavam o futuro. Acho que não sinto mais meu corpo. Deve ser normal quando se está assim permanentemente de cabeça para baixo. É estranho saber que meu coração não tem mais forças para alimentar minhas pernas. Sem elas é impossível caminhar. Mas pensando bem, do avesso, as sementes da imaginação são irrigadas, o que me permite enxergar um vasto céu sob meus pés.