segunda-feira, outubro 16, 2006

Um Conto Fantástico (3ª parte) - Calangos Voadores


Em um pequeno lago, o tempo escoava tranqüilo no silêncio da pescaria. Sozinho no barco, entre a água, o ar e minha longa barba branca, mergulhei em lembranças e decidi chorar. Foi quando então ouvi música.

Levantei meus olhos lentamente e vi uma grande nuvem negra se aproximando. Uma nuvem de calangos voadores! Todos em fuga, uníssonos, corujas à cola, procuravam abrigo. Naquele instante presenciei um milagre, a imagem mais espetacular de toda minha vida. Num movimento harmônico, como que ensaiado, os pequenos lagartos se organizaram em forma de rio. Um rio voador que corria em minha direção.

Voavam a mais ou menos cinco metros de altura quando atingiram a linha vertical imaginária que estabelece o início do lago onde eu estava. Na fração de um suspiro, subiram e desceram rapidamente e, num movimento circular, de ponta ao chão, mergulharam. Todos, negros e juntos, numa fabulosa cascata de répteis.

O barco dançava ao som daquela imagem fantástica. Os diminutos crocodilos afundavam enquanto outros eram repelidos pela água, assim como uma cachoeira de verdade. Em pouco tempo, todo o lago fora banhado por esses seres. Um lago de jacarés voadores.

Algumas corujas que vinham em carreira conseguiram fisgar os calangos menos astutos, mas a maioria escapou ilesa. A impressão que eu tinha era que uma parede de vento bloqueava a passagem delas, que não atacavam a cascata, o conjunto. Elas apenas beliscavam aqueles que, não tendo a sorte dos demais, desfaleciam cansados à beira do lago.

Quando a música teve fim, os urubus chegaram e, só depois, morto no silêncio, pude voar novamente.